terça-feira, 23 de novembro de 2010

Le mosu

      O tom surpreso com que as pessoas falam comigo em Curitiba quando eu digo que sou baiana, de vez em quando me incomoda. Da mesma forma, os comentários que seguem a primeira frase:  - Você, Baiana?? Branca desse jeito?  Você não tem muito sotaque... E passam a avaliar a forma como eu falo, ao invés de prestar atenção no que eu falo. Quando isso acontece com uma certa frequência, fico irritada e acho que esse discurso reflete uma visão estereotipada. Coisa dequem acha que o conhecimento de mundo que tem é o suficiente  e nem se dá ao trabalho de conhecer outras culturas. Ou que até conhecem, mas acham tudo que é diferente ruim. Depois a raiva passa e entendo que isso pode ser uma tentativa de aproximação. Por ser uma baiana "camuflada" já ouvi falarem  mal dos meus conterrâneos e colocarem todos num mesmo saco de preguiçosos. Aí eu parto em nossa defesa e as frases são reformuladas. Noto que existe certo preconceito com o Nordeste. Como a maioria das pessoas, repudio preconceito e tinha a ilusão de que eu não sofria desse mal.
      Hoje de manhã quando ia para a faculdade, um homem muito educado dirigiu-se a mim no meio da rua e perguntou onde era o lugar que ensinavam a falar português. Assustada, disse que era na minha universidade, que eu estava indo pra lá. Caminhamos juntos e ele perguntou se eu falava inglês. Minha resposta positiva permitiu que conversássemos mais, e tive que fazer a pergunta inevitável: - So, where are you from? Aí começa o meu drama. Ao invés de uma resposta direta, veio outra pergunta. De onde você acha que eu sou? Eu sabia que tinha nisso alguma pegadinha. Eu tinha que dar a resposta certa. Um homem negro fazendo uma pergunta dessas devia ser francês ou de outro país rico e estava me testando. Mas não resisti; pensar na áfrica foi inevitável. Talvez ele quisesse orgulhar-se de suas raízes. E optei por falar África; mas falar África era muito abrangente,  poderia soar preconceituoso e ignorante, deveria falar um lugar específico do continente. Tinha que falar rápido, se eu ficasse pensando muito seria estranho. O sinal ia abrir tivemos que atravessar a avenida. No desespero, falei Angola. Se quer passou pela minha cabeça que se ele fosse angolano saberia falar português.  Fiquei nervosa com a indagação e acabei optando pela pior resposta. Ele insistiu: - Por que Angola? Lá fui eu: - Porque tem muito angolano que vem fazer intercâmbio na Federal. Então... você deve ser francês! Depois daquela gafe, eu não tinha mais nada a perder. De repente, as marcas do francês ficam tão evidente no inglês do rapaz... Ele disse que era advogado e estava no Brasil a trabalho. Me senti a pessoa mais tosca da face da terra. Mas tudo que eu podia fazer era ensiná-lo direito o caminho do CELIN. Acho que ele não guardou mágoa; pois fez questão de dizer que estava sozinho, não tinha amigos e era solteiro.
Bom cristão!  Budista, islâmico, judeu, ou simplesmente bom sujeito!
    Essa experiência lembrou-me um texto de  Luiz Paulo Moita Lopes no qual ele afirma: “pessoas que ocupam categorias ascendentes, tais como homem, branco, heterossexual, classe média, capaz física e mentalmente, sempre se perguntam o porquê de tantas discussões sobre diferenças”. Essa posição privilegiada parece afetar a percepção de algumas pessoas em relação a preconceitos. De fato, eu acreditava ser um exagero insistirem em discutir tanto  a questão igualdade em pleno século XXI. Achava que a sociedade já tinha superado isso. De fato, eu nunca presenciei nenhuma cena desconfortável voltada a discriminação de cor. Talvez, não tenha prestado atenção... Achava que falavam mal só de nordestino porque  não dá cadeia. Mas preconceito é um sentimento camuflado pela ética. Está em todo lugar, em todo mundo, o tempo todo; no entanto só percebe quem é atingido por ele. Triste né? Alguns conceitos estão tão enraizados em nossa mente que nem nos damos conta. Acha que com você é diferente? Ouve essa história:   http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html

2 comentários:

  1. Essa não é sobre o Havaí, mas blog é o canal para publicar o que se pensa!

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  2. é claro que é, poxa! faz parte do processo de chamamento, de abandono da pátria pra uma outra e tal... achei q no decorrer da coisa toda, quem lê acompanha esse momento.

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